terça-feira, 6 de março de 2012

Na minha opinião de merda #1: Sandman - Caçadores de Sonhos


(Gaiman, Neil; Russel, P. Craig. Sandman: Caçadores de Sonhos. 2 ed. São Paulo: Editora Panini, 2011.)

Título: Sandman: Os Caçadores de Sonhos 2° Edição ("Sandman: The Dream Hunters" no original)
Autor: Neil Gailman
Ilustradores: P. Craig Russel (Arte e Graphicplay) e Yuko Shimizu (capas)
Ano de publicação: 2009
Páginas: 144
Editora: Vertigo (Panini Comics no Brasil)

Nota: Para quem pretende ler esta obra, aviso que o texto contém alguns spoilers, mas que também podem ser lidos os primeiros cinco parágrafos e o último sem risco.

Bom, é com orgulho que abro (ui) esta sessão do blog! O nome "Na minha opinião de merda" foi escolhido em homenagem ao pessoal de um dos podcasts mais bacanas que conheço, o Matando Robôs Gigantes, por ser uma das frases mais cômicas e mais usadas durante os episódios. De qualquer forma, aqui no "Na minha opinião de merda" daremos a nossa humilde opinião sobre livros, comics, séries e o que mais der na telha! Sempre com aquele toque especial que só hobbits conseguem manter. Espero que gostem!




Não é a primeira obra do Neil Gailman que eu leio e me apaixono mas com certeza foi uma das mais marcantes. E olha que me sinto tentado a dizer que foi a melhor, mas ainda preciso ler muita coisa pra falar com mais convicção. Porém, posso dizer que é uma ótima obra para quem deseja começar a ler as obras dele, até porque é uma história completamente à parte e  que não tem base na história principal de Sandman. Até porque é incrível como é, não só do feitio de Gailman, tratar de temas abstratos com maestria, mas explorar esse abstrato de cada história de forma a obter profundidade ao invés de expansão em suas histórias. Acho que uma das histórias que adquiriu esses dois elementos e até mais foi Sandman mesmo.

A  fábula que tangeia o universo de Sandman é a história de amor entre um monge budista e o uma Kitsune (espírito de raposa).  No entanto a raposa descobre um plano elaborado por demônios para tirar a vida do monge. Com a ajuda de Morfeus, a raposa procura utilizar-se de toda a sua criatividade e audácia  A princípio, pensava-se ter sido uma adaptação de uma fábula oriental com alguns retoques de Gailman, porém mais tarde este revelou que a história era de sua própria autoria.

O trabalho originalmente ilustrado por Yoshitaka Amano em 1999 ganhou uma edição especial em comemoração ao aniversário de 20 anos de Sandman onde Philip Craig Russel tomou as rédeas da ilustração enquanto Yuko Shimizu cuidou das capas dos quatro volumes. E olha, alguém como o Craig nessa equipe fez um diferencial incrível. Além de carregar um  currículo com obras como a adaptação de "O Anel dos Nibelungos", "Salome" e outras obras de Sandman, seu traço deu uma perspectiva nova sobre a história.  Eu notei que ele procurou unir o traço próprio através de uma mistura de gêneros artísticos, algo como arte tradicional japonesa com um pouco de art nouveau e um traço pessoal,  o que é bacana de se notar justamente em uma adaptação em HQ de uma lenda folclórica japonesa. Mas eu confesso que ao mesmo tempo que achei bacana, demorei um tiquinho até me adaptar ao traço.

Outro fator bacana é a linguagem e o andamento do texto, que é muitíssimo bem escrito e de fluidez incrível. A línguagem padrão, clara e objetiva torna a leitura agradável de tal modo que 144 páginas vão embora rapidinho.

Agora vamos olhar de forma resumida a obra e fazer uma análise rápida da história e seus personagens.


[SPOILER ALERT]

"Desconheço se
viestes até mim ou eu a ti.
Assim como se era,
realidade ou sonho,
adormecido ou desperto.

Estou perdido na escuridão
de um coração abatido.
Sonho ou realidade,
deixa que se decida esta noite"


No primeiro volume somos apresentados á um monge que reside num templo isolado em meio a mata, cumprindo normalmente seus deveres. No entanto, há uma Raposa e texugo nas redondezas que notam que o templo não é visitado há anos e decidem fazer uma aposta para expulsar o monge e quem vencesse, teria o templo como morada. Apesar de falharem, a raposa acabou por apaixonar-se pelo monge de forma sutíl, discreta.

No entanto, certa noite a raposa escuta demônios nas redondezas sussurrando um plano que envolvia a morte do monge. Ele deveria ter três sonhos. No primeiro sonharia com uma caixa, no segundo com uma chave e no terceiro sonharia que abre a caixa. Assim, a alma do monge estaria presa no mundo dos sonhos e seu corpo definharia. Caso contrário, o mestre dos demônios pereceria em seu lugar.


"Ele é somente um humano, enquanto tu és uma raposa. Estes casos raramente terminam bem."


Desesperada, a raposa volta ao seu covil rápidamente para pegar uma estátua de dragão em Jade, seguindo depois até uma encosta à beira-mar e arremessando a estátua no mar. Ao fazê-lo, pediu como se em oração para que encontrasse uma forma de impedir que isso acontecesse, e foi dormir. Em seus sonhos, a raposa sonha com uma entidade gigantesca e negra em forma de raposa que lhe fala sobre os Bakus, os devoradores de sonhos.


"A grande raposa assentiu com um aceno. Então, ele a observou e pareceu a ela que a outra podia ver tudo o que ela era, tudo o que havia sonhado, todas as suas esperanças e sentimentos."


Onmyioji, um rico, poderoso e influente senhor que possuia tudo do bom e do melhor. Uma esposa sábia, eficiente e dedicada com seus afazeres domésticos e nupciais além de uma concunbina jovem, belíssima e sensua. As duas viviam juntas e nunca discutiam. Vivia em uma das melhores casas da região. Mas Onmyioji não era feliz.

Era sabido que os mais diversos espíritos o obedeciam. Havia adquirido tais conhecimentos e poderes ao viajar para a China quando era jovem e ter retornado prematuramente grisalho, porém incomparavelmente sábio. Respeitado pro seus superiores e temido pelos inferiores. Mas Onmyioji não era feliz. E por isso, Onmyoji tinha medo. Para saber como livrar-se dele, visitou três mulheres que diziam vender ervas e conselhos, e a obter o que desejava, pagou-as e saiu rapidamente. Ao revirar seus pergaminhos, ordenou que seus demônios fossem até a montanha onde vivia o monge e executassem seu plano: os três sonhos.

Nos dias que se seguiram, o monge teve o primeiro sonho e tomou a caixa, porém teve a impressão de vislumbrar uma cauda de raposa em seu sonho. No segundo, tomou a chave, mas novamente escutou uma gralha que cantada uma melodia triste e desafinada. Acordou pensativo e orou para que os Bakus devorassem tais maus presságios. No terceiro dia ele teve sonhos belos e surreais e, ao acordar, agradeceu por um sonho de bom presságio. No entanto ao sair, encontrou o corpo da raposa a porta de seu templo.

Notando que a rapos não estava morta, mas que respirava lentamente, começou a suspeitar do que havia acontecido. Lembrou-se de quando era jovem e resgatara um pequeno macaco, alimentando-o e criando-o como um amigo. Certo dia um poderoso senhor visitou a casa onde seu pai morava, e o macaco insandecido, ameaçava atacar o senhor. Com um gesto, o senhor guiou uma flecha ao peito do macaco. Após aquele dia, o pai do monge caiu em desgraça devido as maquinações daquele senhor. Naquela época ponderou se o macaco não havia sido um espírito enviado por buda para lhes proteger e neste dia, ponderou se a raposa não havia tentado fazer o mesmo.

Após rezar para Buda, notou que suas preces não surtiam efeito e saiu à procura de ajuda, quebrando um de seus votos: jamais deixar o templo e seud deveres. Sobre uma ponte, encontrou um senhor que puniu-o por desobedecer, mas que lhe entregou um pergaminho, dizendo que a resposta estava nele. Apesar de não conseguir ler as letras de cores quase invisíveis, o monge tomou de bom grado e retornou ao templo.


"Como pode NÃO ir até ele quando todos os caminhos são dele?"


A sensação de surrealismo mesmo começa no terceiro volume, tanto na história quando no traço. Craig mantém o traço, mas procura expandir o uso e a vivcidade das cores, de forma a dar uma idéia de surrealismo. A sensação começa a transparecer mais fortemente logo que o monge adormece e adentra no mundo dos sonhos à procura de seu rei. Ao caminhar, encontra-o em seu palácio e este lhe revela tudo de que o monge já suspeitava. O amor que a raposa senti pelo monge era puro, mas sabia que os dois viviam em mundos diferentes, em vários sentidos.

Morfeus replica dizendo que talvez ela desejasse permanecer presa em sonhos, que ela tem uma razão para ter feito isso e lhe pergunta porque ela significa tanto, visto que é só uma raposa. Seguindo seus valores, o monge explica que buda os ensinou a amar todas as coisas. Quando questionado sobre ter deixado o tempo e seus deveres, ele diz que abandonou muito mais ao abster-se de todos os laços mundanos. Porém confessa que, ainda que leve para o túmulo, ainda se lembrava da sensação de toque da pele dela quando se fizera mulher e do que sentia por ela.

Morfeus com um olhar sereno, com o cosmos a brilhar nos olhos, diz que não a faria feliz inverter seus lugares, desperdiçar o sacrifício dela. Porém, ao olhar para o monge, diz entender e logo pede que o siga e revela aonde ela está: um pequeno templo em meio ao reino dos sonhos. O templo possuia apenas com um armário pequeno e uma caixa preta em cima que reconheceu imediatamente. Caminhou até lá, abriu e, sem hesitação, caminhou para dentro. Lá dentro, um pequenino cômodo, encontrou apens um espelho com a pintura de dois homens atrás onde uma delas era um homem poderoso, cruel, e o outro era o próprio monge, coberto de manchas e bolor. Porém ao virar, avistou a raposa em forma de mulher.

Esta lhe revela tudo o que fez e como o fez. Apesar do medo de não poder retornar, estava orgulhosa de sí pelo que havia feito. No entanto, insistente em salvar a raposa, o monge pediu a Morfeus que lhe devolvesse o sonho que era seu por direito. Ao ver Morfeus sorrir, sabia que o que ele pedia era o correto e o rei do sonhos lhe concedeu o que pedia. Mas como recompensa por fazer a coisa certa, Morfeus lhes deu tempo para se despedirem. Desesperada, a raposa gritou ao rei dos sonhos que isso era injusto e este apenas consentiu, deixando a moça aos prantos.


"Nada é feito totalmente por nada. Nada é em vão. Você está mais velha e tomou decisões, e você não é mais a raposa que era ontem. Recolha o que aprendeu e siga em frente"


A sós, o narrador dá várias opções ao leitor da forma como poderiam ter se despedido, abrindo um leque de possibilidades. Mas presumiu que se amaram alí, ou o menos sonharam que o fizeram. A impressão que fica é a de que a história poderia ter terminado alí com algumas leves alterações, talvez um posfácio ou trecho contando o que se passou com a raposa em seus dias de paz. Mas creio que a história ficaria sem aquela sensação de "algo foi aprendido" que toda fábula possui. Foi aí Gailman decidiu fazer um gancho e concluir a história de fato.

Assim que se despediram, Morfeus voltou e cumpriu o havia dito. Pesarosa, a raposa permaneceu olhando para o espelho onde o monge estava agora preso, jurando vingança. O monge, no entanto, lhe disse para que não o fizesse e que ao invés disso buscasse Buda. E ela prometeu que assim o faria, mas após buscar e completar sua vingança. Após retornar dos sonhos, permaneceu junto do corpo do monge, cuidando deste até o dia seguinte quando morreu. E o fizera com todo o amor que sentia, mesmo que lhe causasse imensa dor ter se despedido e ainda tê-lo ao seu lado.

Ao sul, uma belíssima moça surge na cidade e Onmyoji logo anseia desesperadamente por possuí-la, perdendo o interesse por tudo o mais que tinha. Ao lhe enviar um poema, a moça responde com outro e assim ele a visita em sua casa. A moça, no entando, diz temer que Onmyoji a deixe e faz com que o homem desista de tudo o que possuia e venha até ela. Feito, ele retornou e ela disse ainda haver algo a lhes separar, e apontou para seu kimono que, inclusive, o homem retirou imediatamente. Despido, ela se aproximou de seu rosto, como se fosse beijar-lhe a testa, e mordeu-o com seus afiados dentes de raposa, saindo rápidamente em seguida. Sem um olho, sem nada, o homem permaneceu lá para enlouquecer e apodrecer pois sabia que o monge não gostaria que ela o matasse. Irônicamente, a casa estava abandonada haviam 20 anos quando seu proprietário caiu em desgraça. Alguns diziam que Onmyoji estava a serviço do nobre que causara a ruína daquela família.

[END OF SPOILER ALERT]


Como toda história de Sandman, ela possui o toque especial de Neil Gailman, como mencionei, ao tratar de temas abstratos como a solidão, a morte, o amor e, principalmente, os sonhos. Mas, percebo que ele o faz de uma forma diferente em The Dream Hunters até pelo fato de a temática e o formato da história em si  serem naturalmente surreais. Tiraria alguns pontos porque eu não acho que houve grandes atrativos em alguns pontos, especialmente na forma de se contar uma fábula japonesa. Apesar disso, a forma com que ele o fez não perde o brilho de forma alguma. Com elementos que vão desde personagens bem construídos e típicos deste tipo de fábula até conceitos abstratos e comuns ao mindset oriental, era difícil que o resultado não fosse uma obra linda como essa. Então, vamos à nota!

Nota:  4,5 de 5.

Juro, adoraria dar um cincão, mas essa nota é uma mistura da minha "nota técnica" e da minha "nota emocional".

Mas enfim, gostou? Então, comente! Precisamos da sua opinião pra melhorar o blog e as resenhas. Diga se gostou do formato, da forma como a obra foi analisada, se a resenha te estimulou a ler a obra, etc. :)


Créditos Imagens:  http://reymonkey.deviantart.com/
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